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À conversa com Leonor Baldaque.

Leonor Baldaque

Leonor Baldaque nasceu no Porto, é atriz, escritora e cantautora.
Vive os dias numa incessante procura pela beleza das coisas,
por formas de arte escondidas, pela poesia inesperada da vida.
É muito bonita, de uma elegância discreta
e de uma fragilidade aparente. (mas só aparente…).

É neta de Agustina Bessa-Luís e participou em vários filmes de Manoel de Oliveira.

No Porto, estudou violoncelo e literatura inglesa,
e aos 22 anos muda-se sozinha para Paris, para estudar teatro.

Encanta-se com Paris, com a língua francesa, com essa cidade das artes e do Sena.
Fica por lá 10 anos, depois muda-se para Roma, onde também viveu uns tempos.

O seu primeiro livro, escrito em francês  (Vita – La Vie Légère, 2012) é lançado pela Gallimard, e em 2020, também em francês, escreve Piero Solidão, editado pela Verdier.
Em 2024, e editora Quetzal publicou a tradução de Piero Solidão em português.

Entre viagens e cidades descobre o prazer por tocar viola,
deixa-se inebriar pela música e pela sua própria voz (bonita e doce) ,
e lança o seu primeiro disco em 2024 – “Few Dates of Love” ,
com canções escritas em inglês.
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É nesta altura, em 2024, no pré-lançamento do seu disco, que nos conhecemos. No Porto, claro. Num dia de muita chuva lá fora, Leonor tocou alguns dos seus temas na pequena sala de concertos da loja de vinis e livraria – a Socorro. Depois voltei para a ouvir, na verdadeira apresentação de Few Dates of Love, na Casa da Música.
Já este ano, 2025, sentamo-nos pela primeira vez juntas para um café e mais conversa, numa tarde bonita de Verão, no jardim do Espaço Agra.

Admiro a forma como Leonor se move pela vida, pela forma como fala de livros, de música e de cinema, a sua curiosidade serena e apaixonada por tudo o que a rodeia, a dedicação extrema ao que faz.
Faltou-me dizer ainda que Leonor Baldaque é casada, e tem um filho, de quem fala sempre com um brilho especial.

Tirei-lhe estas fotografias nos jardins do Palácio de Cristal, num dia de Feira do Livro do Porto, aproveitando a temporada que Leonor passou por cá.
Atualmente, Leonor vive em Munique, de onde nos comunicamos para esta entrevista.

 

 

 

1 – Começaste por ser atriz e evoluíste para outras formas de expressão artística. Como aconteceu essa transição? Ser atriz já não te preenchia? 

Ser actriz nunca foi algo que eu possa dizer me tenha preenchido… Eu gostei muito mesmo de fazer esse trabalho, ser essas pessoas, conhecer esse mundo mágico, até porque sou grande cinéfila. Tornei-me grande cinéfila em Paris. Mas eu creio que, quando és uma pessoa criativa, ser um instrumento entre as mãos de um cineasta, a certa altura, te parece pouco. Mas eu amo actores. São seres extraordinários, sempre em estado de auto-transformação num mundo de faz-de-conta, o que, de certa maneira, também é o que eu faço, e ao que dediquei minha vida. Auto-transformação, mundos de faz-de-conta, que parecem muito mais reais do que a “realidade”… Mas eu, pessoalmente, sempre, sempre escrevi. Sempre soube, desde muito pequena, que o meu caminho ia passar pela escrita, e pela música. Não sabia como. Mas o cinema tinha passado a ocupar uma parte muito importante na minha vida, a partir dos meus 19 anos.

2 – Sentes que há “uma voz” comum que percorre os teus vários trabalhos ou cada um exige uma linguagem completamente diferente?

Há uma procura comum. Sim. Ser alguém que se inventa, livre de preconceitos, de identidades fixas, de estereótipos, uma Artista, numa palavra. É isso ser Artista. Muita gente escreve, representa, faz música, mas não é Artista por isso. Ser Artista é essa procura incessante de algo de totalmente inesperado, e não a procura do conhecido. São modos de ver o mundo totalmente opostos. É a procura que me fascina. E isso vai de par com uma abertura total a modos de vida fora dos padrões habituais.

3 – O teu primeiro livro (Vita, La Vie Légère ) é escrito em francês, e o segundo,(“Piero Solidão”)também, mas foi traduzido para português pela Quetzal Editores. 
Os poemas das tuas canções são em inglês. Não sei se pensas vir a escrever em português? 
Expressas coisas diferentes em cada língua? Foi mais fácil primeiro escrever em francês?

Foi em Portugal que vivi coisas muito fortes e bonitas, o Verão, a descoberta da poesia, experiências muito intensas e marcantes. Amo essa língua também… Estou a adorar escrever canções em português, neste momento. Mas sabes, eu nasci de esquerda, de coração e de cabeça, a minha constituição é de esquerda… Preciso do que não conserva, do que revoluciona, do que questiona o estado em que encontras o mundo quando aqui chegas…
Mas cresci numa família politicamente de uma direita-centrista conservadora, católica, numa sociedade patriarcal, muito marcada pelos anos de ditadura, como penso que Portugal ainda o é, e esses anos de infância influenciam o modo como vês uma cultura…
Digamos pois que é mais simples o francês, e o inglês, para mim.
O português debate-se por vezes, no processo de escrita, com uma mundividência com a qual não concordo.
Mas por vezes, o português é o caminho mais directo para o meu coração. Uma parte do meu coração, em todo o caso. É como um jogo. Mas, em geral, é muito mais fácil para mim escrever, e falar em Francês. Eu amo aquela cultura.
É um povo de revolucionários, contestatários, com uma história de vontade de libertação muito forte, e personagens históricos tão importantes, seja políticos ou sociais, literários, e figuras literárias que muitas vezes também são figuras políticas… amo viver nesta cultura há tantos anos. Como em todas as culturas e países, atravessa um momento de crise grave. Como Portugal. Como a Europa e o mundo. Mas, dito isto, Portugal activa a minha criatividade de um modo muito, muito especial.

4 – A melancolia e a introspecção está sempre muito presente nas tuas criações. És uma pessoa melancólica? 

Não. Combativa. Mas veja a melancolia muito claramente, e penso que preciso de a ver para a combater. É isso. Não moro na melancolia, mas vejo-a.

5 – Podemos saber um pouquinho do teu processo de criação? Tens uma certa disciplina, ou crias só quando tens inspiração? E onde vais buscar a inspiração? 

Muita disciplina, apenas isso te faz criar. Acordo, leio, escrevo, faço música, saio para passear. Gosto de ver alguém pelo início da tarde, ou sair apenas, depois trabalhar ainda. Adoro ver concertos, essa energia. Tudo me inspira, um livro, um encontro, um filme. Nunca me esqueço da frase de Francis Bacon nesse livro magnifico de entrevistas com David Sylvester, em que ele diz que vai todos os dias para o seu atelier, mesmo sem vontade nenhuma, o que acontece muitas vezes. A mim não me acontece não ter vontade de ir para “o meu atelier”, mas criar, por vezes é um esforço, sobretudo atacar pela trigésima vez aquele parágrafo do teu livro em curso… Mas quando começas, depois não queres ir embora. É preciso silêncio em torno de mim para que as experiências assentem e ganhem uma sua voz, sejam sentidas e ditas. A criação vem com o trabalho. Mas claro, por vezes o trabalho foi esse copo que tomaste às 3 da tarde com alguém e essas páginas que leste pelas 11h… E daí sai uma canção.

6 – A música permite-te dizer ou sentir algo que não consegues expressar através da escrita?

A música e as palavras, é para mim a chave do mundo. A comunhão com os outros através de melodias, e com as palavras certas, inebria-me. Não há outra palavra. Não vejo as horas passar quando faço música. A escrita de romances é mais, digamos, complexa. Mas apaixonante. Com os seus múltiplos momentos de grande viagem interior. Sabes o que dizia Baudelaire, o mundo é tão vasto debaixo do teu candeeiro… Mas não esqueço que o mundo é muito vasto também debaixo do sol.

7 – Acredito que as cidades por onde passas e nas quais permaneces algum tempo (Roma, Paris, Porto, Londres….) influenciem o teu trabalho criativo.
Em que medida Paris é importante na tua obra? E o Porto? 

Ah, Paris, claro, foi lá que me tornei adulta. E passei muito tempo em França pequena. Fui à procura de uma imagem, a da liberdade, e encontrei-a. Fui à procura de comunhão de espírito, e encontrei-a. E isso foi moldando e construindo a pessoa em que me tornei. Consequentemente, aquilo que penso, aquilo que escrevo, aquilo que canto, também.
O Porto é como algo que está muito presente no meu coração, que atravessa a minha criação, mas de que tento muitas vezes também me libertar. É como uma dança, ora o aproximo, ora o evito. Pois há uma espécie de amor pela “paixões tristes” em Portugal. Que são bonitas em Arte, às vezes, mas não na vida. Imagina se o mundo inteiro tivesse a ausência de força de vontade e niilismo de Fernando Pessoa…Com todo respeito que tenho pelo lugar que ocupa.

8 – Como é para ti “Viver o Porto”?
O que nunca deixas de fazer quando cá estás, ou que locais são para ti imprescindíveis de visitar, quando vens à cidade onde nasceste? 

 

Ah… isso faz-me sorrir e desejar estar aí ! Adoro tanta coisa no Porto !
A Baixa, as ruas de Cedofeita e do Rosário, a Praça Carlos Alberto, a padaria Ribeiro, de pé para um café, a beira Rio, da Ribeira até à Foz…Que saudades ! Adorei descobrir da última vez que aí estive o Rádio Clube Agramonte. Adoro sentar-me em cafés como a Asa de Mosca para escrever. Ou outros para os lados do Stop… E as praias, no Verão, são as minha preferidas em absoluto ! Voltar a casa de carro após um dia de praia para os lados do Castro São Paio, nem te digo, que maravilha… Adoro os cinemas, Trindade, Campo Alegre, os concertos no CCOP, no Coliseu, o Cinema Batalha… A livraria Poetria ou Flâneur… Que cidade linda, linda.
Preenche-me mesmo o coração.
É um sentimento de grande alegria, algo de simplesmente feliz.

9 – Acreditas que a arte (nas suas várias formas) pode ser uma das formas de nos curar, ou de nos transformar?

De que maneira. Se fores ao encontro dela com o coração e a vida totalmente disponível. Tudo depende de como olhas para a Arte. Se é com um olhar de burguês, no teu sofá, ou com um olhar de explorador. Encontras tudo, e descobres os homens e mulheres mais grandiosos que há. Com as suas lutas e conquistas. As melodias que mais longe te fazem viajar. A Arte transforma-te pois através dela encontras o pensamento de grandes personalidades, que te dão as chaves para atravessar a Vida.
Para mim, foram tantos, tantos encontros… O encontro com Cy Twombly, e a arte como abstracção sublime, com Nietzsche e a sua força de vontade, força de trabalho, humor e irreverência, Spinoza e o seu olhar objectivo sobre os nossos actos, Pierre Bourdieu e a sua explicação dos estereótipos e leituras sócias, Tchekhov e a grandiosidade dos seres humanos na simplicidade dos seus dramas… A lista seria infinita… E depois a língua é algo de louco, pois cada autor tem a sua, e vê o mundo com sua música.
Flaubert, Stendhal ou Proust, três dos meus autores preferidos, têm mundos e visões e línguas tão diferentes. O mesmo acontece com Leonard Cohen ou Bob Dylan.
Agora, perguntas mais concretas…. :

10 – Consegues recomendar um filme imperdível?

Tantos ! Nem sei para onde me vire. O Gatopardo ? La Maman et la Putain ?

Um livro imperdível?

Caramba… Le Rouge et le Noir

Um disco imperdível?

Bem, isto é tão difícil… Blonde on Blonde

11 – Sei que estás a trabalhar em novos projetos, podes desvendar um bocadinho, quando teremos novidades da Leonor Baldaque?

Quando, não sei bem…
O trabalho tem o seu tempo, que é seu, não meu… Eu ocupo o meu lugar de Artista, e arregaço as mangas. Vamos a ver. Há várias coisas em curso. Para 2026, espero.

Obrigada!!!
Ficamos então a aguardar.
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Leonor Baldaque em Entrevista
Acompanhem o trabalho da artista na sua página de Instagram.

 

Entrevista e Fotos:
Paula Calheiros (Viver o Porto)

 

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